terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Feliz 2011


Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987)
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade



FAÇA NOVO O TEU ANO

Neste ano-novo, faz-te novo, reduz a tua ansiedade, cultiva flores no canteiro da alma, rega de ternura teus sentimentos mais profundos, imprime a teus passos o ritmo das tartarugas e a leveza das garças.

Não te mires nos outros; a inveja é um cancro que mina a auto-estima, fomenta a revolta e abre, no centro do coração, o buraco no qual se precipita o próprio invejoso.
Mira-te em ti mesmo, assume teus talentos, acredita em tua criatividade, abraça com amor tua singularidade. Evita, porém, o olhar narciso. Sê solidário; ao estender aos outros as tuas mãos estarás oxigenando a própria vida. Não sejas refém de teu egoísmo.

Cuida da língua. Não professes difamações e injúrias. O ódio destrói quem odeia, não o odiado. Troca a maledicência pela benevolência. Compromete-te a expressar ao menos cinco elogios por dia. Tua saúde espiritual agradecerá.

Não desperdices tua existência hipnotizado pela TV ou navegando aleatoriamente pela internet, naufra-gado no turbilhão de imagens e informações que não consegues transformar em síntese cognitiva. Não deixes que a espetacularização da mídia anule tua capacidade de sonhar e te transforme em consumista compulsivo. A publicidade sugere felicidade e, no entanto, nada oferece senão prazeres momentâneos.

Centra tua vida em bens infinitos, nunca nos finitos. Lê muito, reflete, ousa buscar o silêncio neste mundo ruidoso. Lá encontrarás a ti mesmo e, com certeza, um Outro que vive em ti e quase nunca é escutado.

Cuida da saúde, mas sem a obsessão dos anoréxicos e a compulsão dos que devoram alimentos com os olhos. Caminha, pratica exercícios aeróbicos, sem descuidar de acarinhar tuas rugas e não teme as marcas do tempo em teu corpo. Frequenta também uma academia de malhar o espírito. E passa nele os cremes revitalizadores da generosidade e da compaixão.

Não dês importância ao que é fugaz, nem confundas o urgente com o prioritário. Não te deixes guiar pelos modismos. Faz como Sócrates, observa quantas coisas são oferecidas nas lojas que tu não precisas para ser feliz. Jamais deixe passar um dia sem um momento de oração. Se não tens fé, mergulha-te em tua vida interior, ainda que por apenas cinco minutos.

Não te deixes desiludir pelo mundo que te cerca. Assim o fizeram seres semelhantes a nós. Saiba que és chamado a transformá-lo. Se tens nojo da política, receberás a gratidão dos políticos que a enojam. Se és indiferente, agradecerão os que a ela se apegam. Se reages e atuas, haverão de temer-te, porém a democracia se fará mais participativa.

Arranca de tua mente todos os preconceitos e, de tuas atitudes, todas as discriminações. Sê tolerante, coloca-te no lugar do outro. Todo ser humano é o centro do Universo e morada viva de Deus. Antes, indaga a ti mesmo por que provocas em outrem antipatia, rejeição, desgosto. Reveste-te de alegria e descontração. A vida é breve e, de definitivo, só conhece a morte.

Faz algo para preservar o meio ambiente, despoluir o ar e a água, reduzir o aquecimento global. Não utilizes material não-biodegradável. Trata a natureza como aquilo que ela é de fato: tua mãe. Dela vieste e a ela voltarás; vives do beijo que te dá continuamente na boca: ela te nutre de oxigénio e alimentos.
Guarda um espaço em teu dia-a-dia para conectar-te com o Transcendente. Deixa que Deus acampe em tua subjetividade. Aprende a fechar os olhos para ver melhor.

Frei Betto é escritor, autor de Gosto de uva (Garamond), entre outros livros.

Nenhum comentário: